Tudo que escrevemos

Isto sinto e isto escrevo Perfeitamente sabedor e sem que não veja Que são cinco horas do amanhecer e que o sol , que ainda não mostrou a cabeça Por cima do muro do horizonte, Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos Agarrando o cimo do muro Do horizonte cheio de montes baixos. Fernando Pessoa

sábado, janeiro 27, 2007

Obrigado


ObrigadoPor teu sorriso anônimo, discreto, (O meu país é um reino sossegado...) Pela ausência da carne em teu afeto, Obrigado! Pelo perdão que o teu olhar resume, Por tua formosura sem pecado, Por teu amor sem ódio e sem ciúme, Obrigado! Por no jardim da noite, a horas más, A tua aparição não ter faltado, Pelo teu braço de silêncio e paz, Obrigado! Por não passar um dia em que eu não diga — Existo, sem futuro e sem passado. Por toda a sonolência que me abriga... Obrigado! E tu, que hoje és meu íntimo contraste, Ó mão que beijo por me haver cegado! Ai! Pelo sonho intacto que salvaste, Obrigado! Obrigado! Obrigado!
PEDRO HOMEM DE MELLO

domingo, janeiro 21, 2007

Diálogo



"Diálogo

— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

— Ah. Porque eu sou tímida."

Rita Apoena